Saímos de Cruzeiro do Sul pela manhã em um pequeno avião fretado pelo estado do Acre, para uma viagem de 40min em direção ao município de Jordão, que faz fronteira com o Peru, uma das regiões mais isoladas do Brasil, uma pequena cidade com apenas 3977 habitantes, no meio da floresta amazônica, na confluência do Rio Jordão com o Tarauacá.
Fomos recebidos no Aeroporto pelo filho do cacique Siã, Bane Kaxinawa e o Page Muru, conhecido também como Augustinho. Compramos alguns suprimentos, pegamos um barco cedido pela prefeitura e subimos o rio Jordão por aproximadamente 1h até a primeira aldeia, São Joaquim, onde moram 130 índios, é a aldeia mais próxima da cidade de Jordão e sofreu uma descaracterização com a construção do centro de memória e o centro de reuniões.
Havia uma calorosa recepção nos aguardando, índios vestidos a caráter com belos adornos e cocares, os visitantes são anunciados ao som das buzinas, uma espécie de berrante feito de bambu e rabo de tatu. As buzinas são usadas também para avisar que a comida está pronta, para convocar reuniões, entre outros.
Do rio a aldeia, uma pequena caminhada e chegando lá, eles apresentaram a dança do Marirí ao som das canções Kaxinawás, fomos convidados a dançar com eles, em círculo e batendo os pés no chão.
Em seguida o Pajé Muru nos convidou para uma reunião com algumas lideranças e pajés de outras aldeias, deram as boas vindas aos visitantes e contaram várias histórias sobre o povo Kaxinawá.
O povo Kaxinawá.
Os Kaxinawás se autodenominam Huni Kui que significa Gente Verdadeira e falam o hãtxa kui, que significa língua verdadeira.
Habitam a floresta tropical desde o leste Peruano até o Acre. Constituem uma população de aproximadamente 5550 pessoas. No Peru, no final de 2000, havia 17 aldeias Kaxinawá distribuídas ao longo do alto Purus e em um de seus afluentes, no rio Curanja com cerca de 1500 indivíduos. Os Kaxinawás que vivem no Brasil, no Estado do Acre, cerca de 4050 pessoas, habitam 12 terras indígenas, localizadas no rio Purus e em vários afluentes do alto rio Juruá, como os rios Envira, Muru, Humaitá, Tarauacá, Jordão e Breu. Considerada a população indígena mais numerosa do Acre, os Kaxinawás representam hoje 43% dos índios do estado.
Nas terras indígenas do Rio Jordão há 22 aldeias ao longo do rio. O Jordão fica muito baixo na temporada de seca, sendo possível navegar com muita dificuldade apenas com os pequenos barcos conhecido com “rabetinha” tendo que descer inúmeras vezes para desencalhá-lo durante os trajetos entre as aldeias.
Os Kaxinawás se orgulham de sua forte identidade cultural, apesar de contatos que mantêm com os “brancos” desde o final do século XIX. Mas, continuam com muito de seus conhecimentos em “sigilo”, como língua, pintura, arte, medicina e diversas festas e rituais. As crianças aprendem a falar o português com 11 anos, o idioma oficial falado entre eles é o hãtxa kui.
Os Kaxinawás tem uma forte influencia Inca, especialmente em suas roupas e pinturas corporais, com formas geométricas conhecidas como Kenés. Quando os Espanhóis invadiram o Território Inca, provavelmente muitos deles se refugiaram na floresta Amazônica, nesta região de fronteira com o Brasil, o que explica esta influencia. Os índios do Acre tinham uma convivência pacífica e rota comércio com os índios dos Andes, onde plantas medicinais e de poder eram trocadas por Sal e outros produtos vindos das terras altas.
Com a chegada dos seringueiros muito da cultura Kaxinawá foi perdido, agora eles fazem o resgate de suas tradições através das vestimentas, danças, artesanatos e principalmente nos rituais de Huni.
Ritual Nixi Pae.
Após o delicioso jantar tradicional, regado a muita mandioca, milho, caisuma (bebida feita com mandioca) e paçoca salgada de amendoim, teve inicio o ritual do Nixi Pae, onde é servida a bebida chamada por eles de “Huni” conhecida também como Daime e Ayahuaska, um chá feito com duas plantas de poder da floresta, o cipó conhecido como Mariri representando a força masculina e a folha, chacrona, representando a força feminina. Os índios do Acre faziam uso desta bebida muito antes da fundação da seita Santo Daime, criada pelo Mestre Irineu, que a conheceu com os índios.
Todos muito bem vestidos e adornados com cocares, pulseiras, colares, coletes e túnicas se reuniram no kupixawa (palhoça redonda) O Huni foi servido e teve inicio a primeira parte do ritual, onde todos sentados cantavam as canções tradicionais Huni Kui na língua hãtxa kui. Em seguida todos se levantaram e teve inicio a dança da jibóia ( animal de poder para os Kaxinawás ) fora do kupixawa, todos enfileirados seguiam o pajé dançando, cantando e fazendo movimentos como o da cobra.
A parte mais impressionante do ritual foi o canto das mulheres onde cada uma cantava em um tempo diferente uma das outras, fazendo um efeito delay, como se fosse algo eletrônico. O ritual durou a noite toda e acabou quando o dia começou a clarear.
Caminhada na Floresta.
No dia seguinte o pagé Muru nos convidou para conhecer as trilhas da floresta próximo a aldeia, paramos na Samaúma, árvore sagrada para os povos indígenas e a maior da floresta amazônica. Entre suas imensas raízes fizemos um ritual de rapé e ficamos lá por um tempo ouvindo algumas histórias, pois estava demasiadamente quente e entre as raízes havia um clima agradável. Uma vez perguntaram para o pajé Muru se ele tinha um padrinho índio dos rituais de Santo Daime e ele respondeu “Moço, como podemos ser padrinho do Daime, o nosso padrinho é ele!”
Em seguida fomos visitar o parque de ervas medicinal que o Page está organizando nas principais aldeias do rio Jordão, nestes parques estão plantadas e catalogadas 381 espécies de ervas medicinais e de cura é uma espécie de escola da floresta para os mais jovens aprendizes de Page e ao mesmo tempo um templo de cura.
Voltamos para a aldeia e chegando lá nos deparamos com as mulheres da tribo fazendo o nosso almoço, paçoca de amendoim, caisuma e mandioca, que por sinal estava uma delícia, além do espetáculo de vê-las cozinhando e cantando músicas Kaxinawá.
Depois do almoço elas prepararam uma demonstração de como são feitos os fios de algodão enrolados com pequenos bastões de madeira e as belas tecelagens, com formas geométricas peculiares, denominadas Kenês.
A forma que elas tecem e os tares usados se parecem muito com os teares usados no Peru, confirmando mais uma vez a influencia Peruana sobre os índios Acreanos.
Nova Cachoeira
No terceiro dia de visita ao povo Huni Kui, fizemos uma viagem de barco subindo pelo rio Jordão por 2 horas e fomos visitar a aldeia Nova Cachoeira, que foi mudada de local recentemente devido a ultima cheia que destruiu parte da aldeia anterior, eles se mudaram para o a margem esquerda do rio Jordão para o alto de uma pequena serra, possibilitando belas vistas de grande parte das terras indígenas Kaxinawá. A aldeia está recém construída, o Kupixawa ainda estava sendo finalizado e haviam poucas casas habitadas, fomos recebidos pelo Page Deodato, que nos levou para conhecer as trilhas que está abrindo e o parque de plantas medicinais que está sendo plantado, nos falou dos seus planos para o futuro da Aldeia, que abriga uma das poucas escolas da região.
Ele fizeram uma demonstração de como se vestem quando vão caçar, coberto por folhas e palhas para se mimetizarem com a floresta, apresentaram também a dança que fazem antes de sair para a caçada, tocando as buzinas para convidar os demais integrantes da aldeia.
Infelizmente não tínhamos tempo para prosseguir subindo o rio e conhecer outras aldeias, vai ficar para a próxima visita. Tivemos que voltar para a aldeia São Joaquim, pois no dia seguinte tínhamos que estar em Jordão cedo para pegar o pequeno avião fretado de volta a Rio Branco.
Antes de ir embora, fui presenteado pelo Bané Kaxinawá com um belo cocar de penas vermelhas e recebi um nome indígena – Txaná – o pássaro que imita os outros pássaros.